1.10.20
Quarentena
A ultima ligação
Eu podia o barulho de sirenes lá fora vindo ao longe, sabia que vinham na minha direção e alguma coisa dentro de mim me dizia que vinham para mim e que tinha motivos para isso, mas, eu não conseguia me lembrar o real motivo para isso. Me vi no chão, com a visão ainda embaçada e com a visão turva, olho em volta e vejo uma garrafa vazia, de um pretenso uísque barato e acredito que isso já explique a minha falta de memória.
Na verdade, eu nem mesmo reconheço o ambiente em que estou, mas a julgar o a mobília e o cheiro forte impregnado de cigarro, eu estou num quarto barato de um motel barato e ou eu estou fugindo de alguém, ou eu estou aqui com alguém, mas não lembro e nem percebo a presença de ninguém, me apoio na cama box que está molhada, concluo que seja suor, afinal de contas por estar num quarto de motel, talvez eu tenha suado bastante.
As sirenes se aproximam mais, sem olhar em volta eu me dirijo a porta do quarto que dá para uma garagem, deve ser umas nove da manhã, eu olho através das grades da garagem e o movimento parece o mesmo um carro dos mais recentes sai de uma das suítes mais caras, enquanto isso um carro mais simples entrar na suíte em frente a minha, tudo parece estranhamente normal, volto para o quarto para vestir as minhas roupas, minha vista já está melhor e a cabeça também, mas a memoria ainda está sob uma névoa escura.
As sirenes estão cada vez mais próximas... Ao entrar novamente no quarto, eu sou surpreendido ao olhar para a cama e ao reparar que o molhado que antes eu acreditava ser suor, na verdade se trata de sangue mal limpo, limpo as pressas, meio sem habilidade para isso; me apresso para procurar as minhas roupas e de certa forma, eu torcia para que minhas roupas não estivessem cheias de sangue e de repente, as sirenes começaram a fazer sentido... Começo a vasculhar pelo quarto e lamento pelo meu péssimo costume de atirar as roupas pelo quarto todo antes de fazer sexo, me arrependo disso nesse momento.
Numa fresta da cama eu encontro a minha cueca e que por sorte e ao mesmo tempo indiferente ela não está suja de sangue, mas, quem iria parar para ver a minha cueca no meio da rua?
Minhas calças estão penduradas no gancho da parede, acho por bem conferir os bolsos, celular, carteira, chaves de casa, confiro a minha carteira, o dinheiro, meus documentos. Meus cartões e até mesmo umas duas camisinhas, visto as calças e fecho o cinto, agora preciso achar a minha camisa; enquanto eu procuro a minha camisa, eu acho uma calcinha toda enrolada num cantinho escuro. Deveria haver alguém aqui comigo. Mas, não vejo ninguém e há sangue na cama, as sirenes começam a entrar no estabelecimento...
Depois de uma procura vacilante, encontro a minha camisa em cima da porta do banheiro, não sei por que cargas d´água a minha camisa está ali, mas, eu praticamente salto por cima da cama para poder apanhar a minha camisa; assim que a puxo, olho para a banheira de hidromassagem... Fico imerso em uma “pseudo” realidade entorpecida... Havia uma mulher deitada na banheira sem água, e pescoço dela estava roxo, ela claramente havia sido enforcada; no exato momento em que a vejo, eu sinto a minha cabeça doer, eu resolvo me olhar no espelho do banheiro, o sangue seco desenhava uma trilha entre a minha sobrancelha e o meu queixo, o uísque deve ter tirado o gosto ferroso da minha boca e com certeza esse deve ser o sangue que vi na cama.
Eu escuto os carros de polícia freando em frente ao meu quarto, é mais do que um, julgo ser desnecessário, já que estou sozinho, tenho um pensamento que me faz olhar as ligações do meu celular, a ultima foi para o 190... Enfim, tudo se reconstruiu em minha memória, eu liguei para a polícia, para denunciar a mim mesmo e novamente ao olhar para a moça na banheira, lembro que ela não é a primeira, mas, liguei para a polícia na intenção de fazer dela a última. Deixo o dinheiro do pernoite em cima do móvel ao lado da cama e ando em direção a garagem, assim que levanto a porta da garagem, os policiais apontam armas para mim, mostro que estou desarmado e me deito no chão. Sou colocado no banco de trás da viatura e me levam embora, ao sair do motel, grito para que, estiver na cabine da recepção que o dinheiro está no quarto.
20.11.19
Para as damas
Para as damas
Elas demonstrariam mais amor e simpatia.
Talvez, eu me apaixonasse,
Mas, saberia que não teria outro final.
Eu agradaria os meus olhos,
E agradaria os outros sentidos.
Meu coração ficaria em paz, enfim.
Essas damas não o machucaria.
Eu já arrisquei amar algumas vezes,
Parecia inofensivo e eu fui escravo das aparências.
Hoje ele bate, mancando um pouco.
As damas serão um bom calço.
29.4.19
La vie
La vie
Não consigo usar as mesmas roupas que os outros usam, não me serve, limitam a ação de abrir os braços, sufocam a medida que busco ar para respirar, tentar respirar novos ares, ainda que todo ar parece o mesmo. Costumo temer o futuro, não pelo incerto, mas, pelo futuro certo que me empurram, como se alguém tivesse tomado o controle de minhas cordas; olho para todos e ninguém olha de volta, não sentem a mesma dor, metade não tem a aptidão para sentir, a outra preferiu seguir com dores mesmo, fazendo coisas que não gostaria de fazer, vivendo uma vida que não gostaria de viver. No final das contas, não consigo não sentir pena deles, mas, eu entendo.
Pode ser que em essência, a vida seja a mesma para todos, infelizmente.
27.4.19
Doppelgänger
Doppelgänger
Minha chefe me orientou para que eu subisse para tomar um café e passar um tempo, que seria mais ou menos uns quinze minutos, peguei a minha blusa que fazia parte do uniforme, organizei o meu local de trabalho a forma mais preguiçosa o possível, avisei a minha colega que iria tomar o café e que a qualquer problema chamar direto a supervisora, ela assentiu com a cabeça, eu fechei a minha cancela e fui me direção as escadas.
Como eu sempre fazia de costume, sempre que eu ia em direção a escada eu parava para tomar um copo com água, pra ganhar um minutinho a mais que seja, aproveito que se trata de um lugar mais escondido, então ninguém vem me apressar. Tomei dois copos d’água e fui até as escadas. Aos pés da escada, fica a portaria, portaria essa que eu tinha que avisar para onde estava indo, o que eu iria fazer e no meu caso particularmente, eu tirava uns cincos minutos de conversa com quem estivesse na portaria, afinal de contas, eu tinha muita estima por toda equipe de segurança e todos eles tinham igual estima por mim.
Assim o fiz, conversei qualquer coisa com o segurança que estava lá monitorando o acesso e as câmeras, conversamos sobre futebol, sobre o dia-a-dia, qualquer coisa que desse para conversar durante um tempo virava um assunto interessante, nem que fosse alguma piada infame, o que era muito comum. Depois de dar um pouco de risada, pedi para marcar o meu horário de café e me pus a subir as escadas. Esse lugar onde eu trabalhava, dispunha de dois lances de escadas para ter acesso ao segundo piso, escadaria íngreme e que pelo fato de ser íngreme tinha algumas regras a respeito disso, coisas como, sempre se locomover pelo lado direito, um degrau de cada vez, não correr, segurar sempre no corrimão e não portar nada que pudesse tirar a atenção, a fim de que não houvesse acidentes.
Eu respeitava todas essas regras, não que eu seja do tipo certinho, apenas sei o tipo de coisa que eu vou ter que ouvir, caso eu simplesmente tropece em um degrau na escada, não precisava nem mesmo cair e entrar em coma, um simples tropeção já era o suficiente para relatórios e sermões, por isso mesmo eu subi vagarosamente.
Após terminar o segundo lance de escadas segui o corredor até a parte dos armários, passando em frente ao refeitório e em frente ao banheiro, levando em conta a hora, não tinha mais ninguém no segundo piso, a acústica do lugar fazia com que o som dos meus próprios passos tomasse todo o lugar. Cheguei ao meu armário, abri a porta e vasculhei os bolsos da minha mochila na intenção de pegar uma barra de cereais que eu tinha comprado mais cedo, não estava com fome, mas, já que estava lá, resolvi pegar para comer. Com pouco eu encontrei a barrinha e coloquei no bolso da blusa do uniforme, que eu tinha pego e resolvi vestir, para não ficar carregando nos braços, vesti a blusa e fechei o zíper até a metade, feito isso, voltei em direção ao corredor, pois antes de entrar no refeitório para tomar café, eu queria ir ao banheiro até porque eu precisava lavar as mãos.
Voltando no corredor, olhei em direção as escadarias onde bem na frente da escada havia um rapaz me observando, escorado na parede, como se estivesse lá só para isso, sem olhar direito para quem era, eu cumprimentei um com aceno de cabeça, ao mesmo tempo em que eu o cumprimentei, eu coloquei a mão na maçaneta do banheiro e uma questão me veio à cabeça...
Como eu não ouvi aquele cara chegar aqui, ele tinha o meu tamanho e o físico parecido com o meu e considerando o barulho que eu fazia me movimentando, eu deveria ouvir ele, principalmente pela escadaria que era de ferro, como eu não ouvi? Logo e pensar sobre isso, logo outra questão me veio, quase atropelando a primeira; por mais que eu não tivesse reparado no sujeito, meu subconsciente reparou e como por necessidade, ela me mostrou quem era, e a cena que se fazia na minha cabeça, arrepiou a minha nuca... O sujeito usava a mesma roupa que eu estava, o que no caso era o uniforme completo, calça, camiseta e blusa, inclusive a blusa estava do mesmo jeito que eu havia deixado a minha, claro que poderia ser o caso de simplesmente ser outro funcionário, com o uniforme da empresa, no entanto, as cores do uniforme representavam em parte o setor em que cada um trabalhava e no meu setor em questão, só havia eu como funcionário masculino, isso acrescentando a questão do horário.
Toda essa onda de pensamentos se passou por um milésimo de segundos, o que me fez não levar muito a sério tudo isso, era só coisa a minha cabeça. Apesar disso tudo, outro pensamento me acometeu, pois, entre as regras acerca das escadas, uma delas era não ficar parado na frente da escassa, tanto no primeiro piso, quanto no segundo piso, assim, eu tive a reação automática e me virar para avisar o sujeito... Não havia mais ninguém lá... Sem barulho de passos...
Desisti de ir ao banheiro e fui direto para o refeitório a fim de encontrar o sujeito e não encontrei ninguém, fechei os olhos por um segundo e respirei fundo, peguei um copo descartável e enchi de café até a metade, estava fresco e bem quente, virei como se fosse cachaça e resolvi descer. Ao descer as escadas, eu perguntei despretensiosamente para o segurança se alguém havia subido depois e mim, não ouvi nada além de um “não” ... Olhei em direção as escadarias, olhei de volta para o segurança que me olhava e tentei fazer alguma piada idiota, pedi para que marcasse a minha volta e não disse nada.... ainda não sei dizer o que vi.
PÁSSAROS
PÁSSAROS Os pássaros estão inquietos no céu e isso sempre me preocupa, costumo pensar que eles sempre sabem um pouco mais do que a ge...