29.4.19

La vie

 @lh_gainsbarre



La vie


   Sinto-me além do mundo no qual frequento, no entanto, sinto-me aquém do mundo que projeto como ideal para mim, olho constantemente para a vida que me cerca, buscando alma em todos as coisas, assim como um garimpeiro busca por ouro na mina e é certo dizer que tanto ele quanto eu tenhamos falhado.

   Não consigo usar as mesmas roupas que os outros usam, não me serve, limitam a ação de abrir os braços, sufocam a medida que busco ar para respirar, tentar respirar novos ares, ainda que todo ar parece o mesmo. Costumo temer o futuro, não pelo incerto, mas, pelo futuro certo que me empurram, como se alguém tivesse tomado o controle de minhas cordas; olho para todos e ninguém olha de volta, não sentem a mesma dor, metade não tem a aptidão para sentir, a outra preferiu seguir com dores mesmo, fazendo coisas que não gostaria de fazer, vivendo uma vida que não gostaria de viver. No final das contas, não consigo não sentir pena deles, mas, eu entendo.

   Pode ser que em essência, a vida seja a mesma para todos, infelizmente.

Henrique Sanvas

27.4.19

Doppelgänger

 @lh_gainsbarre



Doppelgänger


  Meio de semana de trabalho, um daqueles dias que não fede e nem cheira; dia que na verdade você torce para torcer o mais rápido possível. Já era noite e me foram cedidos alguns minutos para tomar um café e respirar um pouco, é comum fazerem isso, mesmo que naquele momento não fosse necessário, estava um dia tão desgraçado que não tinha nem movimento para ajudar a hora passar, a hora ficou travada as dezenove horas. Eu costumava dizer que já fazia umas meia-hora que eram dezenove e quinze e não saia disso de jeito nenhum.

  Minha chefe me orientou para que eu subisse para tomar um café e passar um tempo, que seria mais ou menos uns quinze minutos, peguei a minha blusa que fazia parte do uniforme, organizei o meu local de trabalho a forma mais preguiçosa o possível, avisei a minha colega que iria tomar o café e que a qualquer problema chamar direto a supervisora, ela assentiu com a cabeça, eu fechei a minha cancela e fui me direção as escadas.

  Como eu sempre fazia de costume, sempre que eu ia em direção a escada eu parava para tomar um copo com água, pra ganhar um minutinho a mais que seja, aproveito que se trata de um lugar mais escondido, então ninguém vem me apressar. Tomei dois copos d’água e fui até as escadas. Aos pés da escada, fica a portaria, portaria essa que eu tinha que avisar para onde estava indo, o que eu iria fazer e no meu caso particularmente, eu tirava uns cincos minutos de conversa com quem estivesse na portaria, afinal de contas, eu tinha muita estima por toda equipe de segurança e todos eles tinham igual estima por mim.

  Assim o fiz, conversei qualquer coisa com o segurança que estava lá monitorando o acesso e as câmeras, conversamos sobre futebol, sobre o dia-a-dia, qualquer coisa que desse para conversar durante um tempo virava um assunto interessante, nem que fosse alguma piada infame, o que era muito comum. Depois de dar um pouco de risada, pedi para marcar o meu horário de café e me pus a subir as escadas. Esse lugar onde eu trabalhava, dispunha de dois lances de escadas para ter acesso ao segundo piso, escadaria íngreme e que pelo fato de ser íngreme tinha algumas regras a respeito disso, coisas como, sempre se locomover pelo lado direito, um degrau de cada vez, não correr, segurar sempre no corrimão e não portar nada que pudesse tirar a atenção, a fim de que não houvesse acidentes.

  Eu respeitava todas essas regras, não que eu seja do tipo certinho, apenas sei o tipo de coisa que eu vou ter que ouvir, caso eu simplesmente tropece em um degrau na escada, não precisava nem mesmo cair e entrar em coma, um simples tropeção já era o suficiente para relatórios e sermões, por isso mesmo eu subi vagarosamente.

  Após terminar o segundo lance de escadas segui o corredor até a parte dos armários, passando em frente ao refeitório e em frente ao banheiro, levando em conta a hora, não tinha mais ninguém no segundo piso, a acústica do lugar fazia com que o som dos meus próprios passos tomasse todo o lugar. Cheguei ao meu armário, abri a porta e vasculhei os bolsos da minha mochila na intenção de pegar uma barra de cereais que eu tinha comprado mais cedo, não estava com fome, mas, já que estava lá, resolvi pegar para comer. Com pouco eu encontrei a barrinha e coloquei no bolso da blusa do uniforme, que eu tinha pego e resolvi vestir, para não ficar carregando nos braços, vesti a blusa e fechei o zíper até a metade, feito isso, voltei em direção ao corredor, pois antes de entrar no refeitório para tomar café, eu queria ir ao banheiro até porque eu precisava lavar as mãos.

  Voltando no corredor, olhei em direção as escadarias onde bem na frente da escada havia um rapaz me observando, escorado na parede, como se estivesse lá só para isso, sem olhar direito para quem era, eu cumprimentei um com aceno de cabeça, ao mesmo tempo em que eu o cumprimentei, eu coloquei a mão na maçaneta do banheiro e uma questão me veio à cabeça...

  Como eu não ouvi aquele cara chegar aqui, ele tinha o meu tamanho e o físico parecido com o meu e considerando o barulho que eu fazia me movimentando, eu deveria ouvir ele, principalmente pela escadaria que era de ferro, como eu não ouvi? Logo e pensar sobre isso, logo outra questão me veio, quase atropelando a primeira; por mais que eu não tivesse reparado no sujeito, meu subconsciente reparou e como por necessidade, ela me mostrou quem era, e a cena que se fazia na minha cabeça, arrepiou a minha nuca... O sujeito usava a mesma roupa que eu estava, o que no caso era o uniforme completo, calça, camiseta e blusa, inclusive a blusa estava do mesmo jeito que eu havia deixado a minha, claro que poderia ser o caso de simplesmente ser outro funcionário, com o uniforme da empresa, no entanto, as cores do uniforme representavam em parte o setor em que cada um trabalhava e no meu setor em questão, só havia eu como funcionário masculino, isso acrescentando a questão do horário.

  Toda essa onda de pensamentos se passou por um milésimo de segundos, o que me fez não levar muito a sério tudo isso, era só coisa a minha cabeça. Apesar disso tudo, outro pensamento me acometeu, pois, entre as regras acerca das escadas, uma delas era não ficar parado na frente da escassa, tanto no primeiro piso, quanto no segundo piso, assim, eu tive a reação automática e me virar para avisar o sujeito... Não havia mais ninguém lá... Sem barulho de passos...

  Desisti de ir ao banheiro e fui direto para o refeitório a fim de encontrar o sujeito e não encontrei ninguém, fechei os olhos por um segundo e respirei fundo, peguei um copo descartável e enchi de café até a metade, estava fresco e bem quente, virei como se fosse cachaça e resolvi descer. Ao descer as escadas, eu perguntei despretensiosamente para o segurança se alguém havia subido depois e mim, não ouvi nada além de um “não” ... Olhei em direção as escadarias, olhei de volta para o segurança que me olhava e tentei fazer alguma piada idiota, pedi para que marcasse a minha volta e não disse nada.... ainda não sei dizer o que vi.

Henrique Sanvas

18.4.19

Voltas em círculo

 "Shin Kwangho"



Voltas em círculo


Logo eu que sou o mártir do caos,
Sou obrigado a ordenar as coisas.
Nem uma fibra do meu corpo reage a isso,
Há apenas um tremor nos ossos.

Enquanto sou consumido vivo, meus olhos seguem atentos.
E no que questionam a velocidade da minha viagem,
Eu posso somente seguir em frente,
Por mais que eu esteja só dando voltas em circulo.
Henrique Sanvas

O aquário




O aquário


Não quebre o aquário.
Os peixes tem espaço o suficiente,
Se não tiverem, não os conte.
Pois, sendo esse o caso, muitos irão querer sair;
Logo, muitos dos peixes irão morrer,
Menos, aqueles no qual já se tornaram anfíbios.
Henrique Sanvas

Pedras rolantes




Pedras Rolantes


Pedras milenares rolam montanha abaixo
E o grande monte se desfaz.
O trabalho do tempo se perdeu
Uma nova planície será preparada.

Os olhos do homem arregalam-se.
Agora, ele sabe mais do que acreditou saber.
Não há mais montanha cobrindo o horizonte,
Somente pedras para tropeçarmos.

Qual será a próxima obra do tempo?
Não há mais sombra contra a luz.
A sabedoria dissipa a ignorância
A medida que mais pedras rolam.
Henrique Sanvas

Surreal




Surreal


Não me agrada o surreal
Tal qual, uma mascara para o mundo
Gosto de olhar nos olhos do mundo,
Gosto de sentir o bafo do mundo;
Bafo quente e pútrido,
Bafo com aspecto de vida.

O surrealismo quer me enganar
E não me agrada isso.
Eu quero contemplar a vida
A vida em toda a sua infâmia,
Com olhos e bafo desagradável.
Sem metafisica.
Henrique Sanvas

Alvorecer




Alvorecer


Quinta-feira.
Alvorecer morto de um dia nublado.
Contemplo as primeiras horas do amanhecer.
Eu não chego a conclusão nenhuma.
Talvez, o mendigo estivesse certo.
Henrique Sanvas

Ar no poço




Ar no poço


Não tenho tido paciência para ler livros.
Ler livros e qualquer outra coisa.
Apenas, ocupo a mente com coisas vagas,
É como encher um poço com ar.

Todavia, eu ainda escrevo.
Nada que eu goste quando eu paro para ler.
De qualquer forma, eu escrevo; é preciso.
Purificar o ar que preenche o poço que é a minha mente.
Henrique Sanvas

Latidos




Latidos


Não importa o quão alto grite,
As muralhas de vidro nos abafam.
Latindo para o reflexo translucido.
Somente você ouve seus latidos.

A chuva próspera que cai lá fora
Traz apenas goteiras em nosso telhado.
E os cães que ladram aos céus,
Sentem as gotas caindo em suas testas.

Balas disparadas a noventa graus.
Tendem a cair a noventa graus.
Quem será o alvo?
Quem mais seria o alvo?
Henrique Sanvas

Borboleta




Borboleta


Alguma coisa foi feita
E o mundo segue como antes.
Uma parte infla-se de orgulho.
A outra murcha de vergonha.

Onde estava a borboleta durante o tsunami?
Mesmo se ela soubesse, deixaria de bater asas?
Henrique Sanvas

15.4.19

Águas de Março




Águas de Março


Uma massa de nuvens densa
Esbravejando trovões
Iluminando toda a noite,
Com seus flashes alados.

A tempestade já se foi.
Dia e noite, dia e noite.
Agora, somente o rastro de poças pisadas.
O verão está morrendo.

O verão se desfaz em chuva.
Uma longa despedida,
Com frias lágrimas de prata.

O sol que se cansa de raiar.
Não demora para se pôr.
Ele adormece ao som da chuva.
Henrique Sanvas

Cegos e banguelas

 Der Trinker



Cegos e banguelas


Em um reino distante
Haviam somente cegos e banguelas.
O rei soberano, possuía dois dentes,
Dois dentes e dez por cento da visão,
Dez por cento e somente no olho esquerdo.

Todos haviam cobrado por tudo.
Desde uma moeda, até mesmo uma morte.
Olho por olho e dente por dente.
No final das contas, todos ficaram à míngua.
Sorte a do rei, que era miserável demais para ser cobrado.
Henrique Sanvas

A bocarra

 "Dante Alighieri"



A bocarra


Me coloco na frente do espelho
E olho nos meus olhos.
As pupilas retraindo com a luz,
E nem mesmo eu as entendo.

Me elevo a décima potência,
Assim, eu encaro o mundo.
Eu não quero ser engolido
A bocarra da vida engole a todos...

Mas, no fundo, eu sei que cada um sabe de si.
Mais de sete bilhões de mundos.
Mesmo que o sol seja para todos
Cada um vê ele num lugar diferente.

Não procuro olhar para ninguém
Se não, para mim mesmo.
Pouco me importa, se chamam de apatia.
Só não quero ser engolido pela vida.
Henrique Sanvas

Abrigo

 Gustave Courbet, the happy lovers 1844



Abrigo


Pessoas difamando de norte a sul.
Pessoas praguejando de leste a oeste.
Palavras como numa tempestade de raios
E eu sou o para raio.

Pessoas difamando-me em meus ouvidos.
Pessoas praguejando em meus ouvidos.
Palavras como numa rajada de ventos
E eu sou onde os ventos se encontram.

De qualquer maneira, eu prefiro assim,
Que tudo venha até mim.
E que em meio a tempestade de raios e ventanias,
Que eu seja um abrigo.
Henrique Sanvas

Flores

 by Anna Menshikova



Flores


O homem semeia o ódio,
Assim como uma abelha semeia flores.

Se o assunto fosse amor,
O homem o guardaria
E daria somente para quem achasse merecedor.
Provavelmente, de forma racionada.

Já o ódio é livre...
Odeia-se qualquer um de qualquer forma.
Eu odeio os motoristas de carros com altos falantes.
De forma profissional, nada pessoal.

Eu mesmo semeei flores hoje
E não me lembro de ter amado ninguém.
Henrique Sanvas

Chuva a cântaros




Chuva a cântaros


O que você quer que eu diga?
O que eu diria de diferente?
As mesmas frases novamente,
Somos tão insistentes.

Você cai sobre mim,
Tal como uma chuva a cântaros
E eu busco qualquer abrigo ..
Ainda, que o seu cântaro transborde.

Sempre agradeci pela chuva que cai,
Mas, nem tudo se deve molhar.
Deixe-me abrigar na minha caverna,
Até a chuva cessar.
Henrique Sanvas

PÁSSAROS

  PÁSSAROS      Os pássaros estão inquietos no céu e isso sempre me preocupa, costumo pensar que eles sempre sabem um pouco mais do que a ge...